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A atuação da Cannabis na redução de danos

Atualizado: 23 de ago. de 2024

Cannabis: uma das drogas menos danosas e mais seguras


imagem ilustrativa gerada com inteligencia artificial
Cannabis medicinal e redução de danos

O uso de substâncias psicoativas pela humanidade acontece há milênios. O tipo de substância e também suas proibições dependem da cultura, região e momento histórico.  Entre substâncias liberadas e proibidas, qualquer padrão de uso que seja abusivo é danoso. Causas genéticas, epigenéticas, psicossociais e comorbidades podem ajudar a desenvolver o uso abusivo. Dentre os critérios que devem aparecer pelo menos 2 num período de 12 meses, estão: dificuldade de desempenhar suas atividades; perigo de vida (exemplo: dirigir sob o uso de substâncias psicoativas); conflitos sociais ou intrapessoais; tolerância; abstinência; entre outros  [1,2].


O uso abusivo de drogas é uma questão de saúde pública e deve ser tratada com base na ciência para obter estratégias, e não através de conceitos morais ou religiosos. É importante levar em conta o contexto social, afetivo, econômico, entre outros, tratando cada um individualmente, não apenas com medicação. É necessário ter apoio psicoterápico, reinserção na sociedade, intervenções familiares, etc. A medicação ajuda a tratar desconforto causado pela abstinência e comorbidades que aparecem como ansiedade, agitação e insônia [3,4]. 


Uma das estratégias para amenizar os prejuízos diretos e indiretos é a redução de danos. Muitas ações podem ser tomadas para reduzir danos: distribuição de preservativos, seringas e outros utensílios, até mesmo em festas e cenas de uso, mostrar os danos do uso e como amenizar seus efeitos, programas de moradia, etc [5]. 


Outra forma é a substituição de substâncias, onde entra a Cannabis nessa estratégia. Ela ajuda a amenizar a abstinência e efeitos das substâncias, amenizar ansiedade, dar fome, etc. A dificuldade é o custo para comprar e disponibilidade do usuário encontrar a Cannabis, principalmente em óleo. A Cannabis é mais segura que essas outras substâncias e tem menor potencial de efeitos psicotrópicos e já se mostrou eficaz no desmame de opioides usados para dor crônica [6]. 


Também é usada para tratar uso abusivo de álcool, com seus efeitos protetores hepáticos, apesar de metabolização também no fígado. O CBD diminui a inflamação causada pela esteatose e estresse oxidativo do álcool, além de trazer a diminuição do uso do álcool, reduzir a ansiedade e a impulsividade. Portanto, é chamada de droga de saída, ajudando a lidar com o uso de substâncias mais nocivas e até a interrupção [6].


Outra aplicação em redução de danos é para o uso abusivo de hipnóticos e ansiolíticos como Z-drugs (como Zolpidem) e benzodiazepínicos (como Clonazepam, Diazepam e Lorazepam), que causam grande tolerância e dependência, com sintomas físicos (disforia, náusea, sudorese e até convulsões) de abstinência e psicológica como medo de não dormir ou ter crises ansiosas. Deve ser administrada como droga de resgate (máximo 2 semanas) e não um tratamento. O uso abusivo causa prejuízos na memória, incoordenação, lentificação, rebaixamento sensório e até a morte. A Cannabis é eficiente para a desprescrição e tratamento da dependência por esses fármacos, usando maior proporção de CBD para controle da ansiedade (quimiotipo III, THC< CBD) ou para indutor de sono, o quimiotipo II (THC=CDB) [7].


Mais uma indicação da Cannabis medicinal é para o uso abusivo de cocaína e crack. Altas doses dessas substâncias, assim como a abstinência, podem causar agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade, sintomas psicóticos como persecutórios, autorreferentes, alucinações auditivas e táteis. E doses ainda mais altas podem causar convulsões, depressão respiratória, alterações cardiovasculares e infarto. Elas bloqueiam a recaptação de dopamina, norepinefrina e serotonina, tendo alto potencial de adicção pela ativação do sistema de recompensa. E também apresentam tolerância rapidamente. Relações afetivas, econômicas e sociais ficam agravadas, graves problemas biopsicossociais. Apesar da crise de abstinência não ser tão forte quando a do uso de álcool, pode ser seguida por disforia, ansiedade, fadiga, sintomas depressivos e insônia [6,8].


A Cannabis pode ser usada no tratamento de dependência de crack, para atenuar os efeitos da substância como agitação, inapetência e insônia, ou para diminuir a quantidade do crack fumado, podendo ajudar nas crises de abstinência. O CDB é capaz de modificar os circuitos de recompensa da dopamina, interferindo nos processos e adicção. Além disso, diminui a neuroinflamação. Os quimiotipos mais estudados e observados nas práticas clínicas são os quimiotipos II e III, normalmente iniciando o tratamento com o quimiotipo II [9].


O uso abusivo de Cannabis também acontece e pode gerar danos agudos como crise de pânico, paranoia, distorções na percepção, alterações cognitivas, taquicardia, etc.  Mas é possível transformar o uso adulto em uso medicinal. Pelo menos, não existe overdose por uso de Cannabis e transtorno psicótico induzido por uso é raro. O uso a longo prazo causa prejuízo cognitivo principalmente na memória, principalmente no uso de indivíduos que ainda tem o Sistema Nervoso Central (SNC) em formação [10]. 


Não tem estimulação no centro de recompensa, apesar de o usuário ir adquirindo resistência durante uso prolongado, quando pensamos no processo de adicção. A sua abstinência mostra apenas sintomas leves, normalmente já pré-existentes, como ansiedade e insônia. Mas é possível transformar esse uso abusivo, normalmente fumado, pelo uso do óleo, de preferência quimiotipos II ou III, para amenizar efeitos psicotrópicos e diminuir os sintomas abstinência [9].


Em resumo, o uso da Cannabis medicinal tem potencial para redução de danos pelo uso abusivo de muitas drogas, inclusive dela mesma, e deveria ser considerada em ações de saúde pública.



Referências


1. Merikangas, K. et al. Comorbidity of substance use disorders with mood and anxiety disorders: results of the International Consortium in Psychiatric Epidemiology. Addictive Behaviors, v. 23, 6, p. 893-907, 1998.


2. Lejoyeux, M. et al. Psychiatric disorders induced by drug dependence other than alcohol. L'Encephale, v. 26, 2, p. 21-7, 2000.


3. Heidbreder, C. Novel pharmacotherapeutic targets for the management of drug addiction. European journal of pharmacology, v. 526, 1-3, p. 101-12, 2005.


4. Myrick, H. e Brady, K. Current review of the comorbidity of affective, anxiety, and substance use disorders. Current Opinion in Psychiatry, v. 16, p. 261–270, 2003.


5. Ashford, R. D. Peer-delivered harm reduction and recovery support services: initial evaluation from a hybrid recovery community drop-in center and syringe exchange program. Harm Reduction Journal, v. 15, a. 52, 2018.


6. Reiman, A. Cannabis as a substitute for alcohol and other drugs. Harm Reduction Journal, v. 6, p. 35 – 35, 2009.


7. Corroon, J. et al. Cannabis as a substitute for prescription drugs – a cross-sectional study. Journal of Pain Research, v. 10, p. 989 – 998, 2017.


8. Smith, M. et al. Prevalence of psychotic symptoms in substance users: a comparison across substances. Comprehensive psychiatry, v. 50, 3, p. 245-50, 2009.


9. Spanagel, R. Cannabinoids and the endocannabinoid system in reward processing and addiction: from mechanisms to interventions
. Dialogues in Clinical Neuroscience, v. 22, p. 241 – 250, 2020.


10. Linszen, D. e Amelsvoort, T. Cannabis and psychosis: an update on course and biological plausible mechanisms. Current Opinion in Psychiatry, 20, 116–120, 2007.

 
 
 

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